segunda-feira, junho 04, 2007

O amor é uma dor

"Sky Blue Sky", do Wilco, é forte concorrente a disco do ano, e digo mais: é um dos discos mais bonitos de 2007. Na verdade, 'sonoricamente' falando, o álbum não traz nada de novo já que é apenas um bom disco que mescla blues, country, folk e baladinhas anos 70. Apenas música americana "de raiz" com pitadas de Beatles e Neil Young tocadas sem firulas e de forma competente. É um disco sem gordura ou arranjos desnecessários. Enfim, nada de mais se analisarmos sob este ponto de vista.

O que chama atenção (e o torna um excelente disco) são as letras escritas por Jeff Tweedy, o líder da banda. O cara versa sobre o amor de forma esplendorosa. Mas atenção: ele não é o tipo de cara que fica contemplando o amor como se este fosse a coisa mais linda do mundo. Tweedy segue a cartilha Morrissey de amar, se é que você me entende. É um amor melancólico, que está a um passo de dar errado, se é que já não deu.

Não confunda essa melancolia e tendência ao fracasso com aquilo que se convencionou, hoje em dia, a se classificar como emo. De emo o Wilco não tem nada. NxZero e cia deveriam é ouvir Wilco e Morrissey para aprenderem como é que se faz uma canção de amor.

Em "Sky Blue Sky", Tweedy explicita sua tendência a escolher a pessoa certa que, por sua vez, não acredita ser a pessoa certa para ele ou vice-versa. Na música "Please Be Patient With Me", por exemplo, ele diz: "Eu deveria alertá-la que eu não sou bom, isso eu posso dizer/ Não há nada que eu possa fazer pra tornar isso mais fácil para você/ Você vai ter que ser paciente comigo". O tema 'rejeição' ou 'solidão' já é, de certa forma, explicitada na linda capa do disco. O álbum até começa otimista com a belíssima "Either Way": "Talvez o sol brilhe hoje/ Talvez as nuvens vão embora". Mas não demora muito para o vinho virar vinagre.

Para Jeff Tweedy não adianta ficar feliz, pois a tristeza vai estar sempre por perto como um urubu à espera do momento exato em que sua vítima vai padecer. O disco é carregado de momentos em que o amor parece ser a causa maior da dor sentida pelo cantor.

Em "Hate it Here" (uma das mais belas do álbum, e cuja melodia foi chupadaça de "You can't always get what you want" dos Rolling Stones), ele sofre pois a amada o deixou e agora ele sai correndo para atender ao telefone e fica indo toda hora à caixa de correio na esperança de que ela tenha deixado algum recado dizendo que vai voltar.

Na letra ele diz: "Eu tento permanecer ocupado/ Eu lavo os pratos, eu corto o gramado/ Eu tento manter-me ocupado/ Mesmo sabendo que você não está vindo para casa/ Eu tento manter a casa agradável e pura/ Eu faço minha cama, eu troco os lençóis/ Eu até aprendi sozinho a usar a máquina de lavar roupas/Mas manter as coisas limpas não muda nada". Mais simples e lindo que isso, impossível.
Além disso, a todo momento Tweedy parece estar tentando exorcizar seus demônios. Na faixa que dá nome ao disco, ele diz: "Com o céu tão azul/ este período podre não parece tão ruim para mim agora/ Eu não morri/ eu devia estar satisfeito/ eu sobrevivi e por enquanto isso já está bom demais para mim". Uma clara alusão ao seu vício em álcool e outras drogas.
.
Veja "You are my face", outra boa do disco, ao vivo no Jools Holland

.
Enfim, se você acabou de levar um pé na bunda, ou então não consegue tirar aquela pessoa da cabeça mesmo sabendo que ela não está nem aí pra você, escute esse disco. Se talvez você não vai ficar feliz, pelo menos vai te fazer ver que você não é o primeiro e nem vai ser o último que vai sofrer por amor nesse mundo.
Se você não estiver em nenhuma dessas situações, escute apenas pelo prazer de ouvir boa música. Vai te fazer bem, eu garanto.

Abaixo o clipe da lindaça "What Light", que parece que é o primeiro single do disco.
.

Marcadores: ,