quarta-feira, fevereiro 01, 2006

O Brasil e o Funk Carioca

“Gatinha sai do chao,
vai mexendo el PopoZao,
gatinha sai do chao,
vai mexendo el PopoZao,
oh oh oh PopoZao PopoZao
I wanna see some PopoZao!
Kevin Federline, em “PopoZao”

.

Um amigo meu me disse que o marido da Britney Spears fez uma música estilo funk carioca. Pensei: “e daí porra?”. Depois, num momento de completo ócio mental, comecei a confabular comigo mesmo sobre o futuro do funk carioca no exterior. Já me veio a idéia de todos os “artistas” do pop mundial pagando pau para a Deize Tigrona, Lacraia e todos os outros que fazem parte dessa “cena” ao passo que o estilo começe a reinar nas paradas pop do mundo inteiro, a ganhar prêmios da MTV (como se isso servisse para alguma coisa) etc e tal. Daí o número de grupos funk no Brasil triplicaria, TODOS os programas de tv passariam a tê-los como atração principal, milhões e milhões de discos seriam vendidos, os shows para a elite rica do país se tornariam cada vez mais freqüentes, o Caetano Veloso começaria a dizer na imprensa que o funk é a vanguarda musical do país, sertanejos começariam a lançar moda-de-viola em estilo funk etc etc etc... Putz.... vocês não têm noção de como eu viajei em 5 minutos de “pensamento”.
Na minha opinião, o funk carioca não é de todo ruim. Calma, eu explico.
Muitos dizem que o funk é um “movimento” que serve ao tráfico de drogas no Rio, que leva o adolescente para o mal caminho, que os bailes são os points perfeitos para uma mocinha do morro ganhar barriga e onde criancinhas aprendem a brincar com outro tipo de boneca. Tudo bem, todo mundo sabe que isso existe. Quem é que nunca viu no Fantástico guerras de gangues, mulheres entrando sem calcinha e rapazes exibindo armas nesses bailes?
Por outro lado, eu acho que o funk, assim como o axé, tem a sua parcela de contribuição para o Brasil. A música eu, realmente, acho uma merda mas não se pode negar que os caras são criativos. Quantas vezes você já não parou e pensou: “O que é isso? Como alguém escreve uma letra dessas? Como é que tem gente que consegue pensar essas coisas?”. Além disso, eles são um tapa na cara da população careta e conservadora desse país. Ao saírem por aí de shortinhos apertados fazendo passos de “dança” que deixaria corado o rosto qualquer stripper americana, eles meio que estão dizendo: “Olha, isso é sexy. É só sexo. E sexo é bom. Não é nenhum pecado!”.

Daqui a pouco começa o carnaval e aquelas “moças/moços de família” que dizem que odeiam esses grupos vão estar todos atrás de um trio elétrico cheirando lança-perfume e beijando quem encontrar pela frente. Sem falar que eles já fazem isso durante o ano inteiro, seja numa balada de rock, de música eletrônica, de psy-trance ou qualquer que seja a sua onda. Daí eu pergunto: quem é mais puta(o)? Você que beija 20 garotos(as) numa balada onde só toca indie-rock, aqueles que beijam 73 no show da Ivete Sangalo, ou aqueles que vão aos morros do Rio para ver o Bonde do Tigrão e dar uns amassos?
O povo precisa deixar a caretice de lado e olhar para o próprio umbigo. Quanto à música, penso que se o povo no Brasil tivesse um mínimo de educação, o pessoal que faz esse tipo de música realmente conseguiria fazer alguma coisa decente no que diz respeito à música e letra.
Você vai me dizer que os Beatles, o Bob Dylan, o Kurt Cobain e muitos outros, eram tremendos desgraçados que fugiram da escola e fizeram obras de arte. Sim, mas Bob Dylan leu Jack Kerouac e William Burroughs. Os Beatles sabiam quem era Edgar Allan Poe, eles estudaram a cultura indiana, se interessavam pelo que acontecia no mundo. Kurt Cobain sabia muito bem do que se tratava Arthur Rimbaud. Esses caras eram desgraçados na vida mas tinham educação mesmo fugindo da escola. Isso sim possibilitou a criação de obras de arte, e não o fato de serem desprovidos de dinheiro. A palavra-chave é educação.
O que falta a esses grupos de funk, de axé, e similares é um pouco de lirismo. Eles não têm senso de beleza. E isso não se adquire de um dia para o outro. Quer dizer, nunca é tarde para começar, mas leva tempo. Os Racionais MC’s, por exemplo, têm esse tal lirismo. Se você pegar qualquer letra deles e só lê-las, sem música nem nada, só ali no papel, você pensa que foi escrita por algum antropólogo ou coisa que o valha. Uma vez eu vi uma das únicas entrevistas que eles deram e nela diziam que eram loucos por James Brown e viviam pesquisando coisas novas. Mano Brown disse que, como era difícil arranjar um livro na periferia, sempre que algum caía nas suas mãos ele o guardava com o maior zelo como se aquilo fosse quase um troféu. Aí é que está a diferença. Os Racionais sabem o poder que um pensamento tem. O funk carioca não. Para eles o que vale é mexer o popozão, e não percebem que é possível balançar as cadeiras ao mesmo tempo que o cérebro trabalha. Esses caras não conseguem andar e mascar chiclete ao mesmo tempo.
Não podemos nos orgulhar pelo fato do marido da Britney Spears fazer funk carioca como se fosse a coisa mais espetacular do mundo. Pois, por enquanto, não é. Por enquanto é só mais um motivo de piada no exterior. Prova disso é o que fez o comediante James Lipton no talk show do Conan O’Brien nos EUA. Tentou recitar o funk carioca americanizado do marido da Britney como se fosse Shakespeare e falhou miseravelmente. Se, depois disso, você ainda tiver paciência para ouvir o funk do Sr. Spears clica aqui.